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[N.E.] Crítico e jornalista prolífico, o estilo fluido de Morais foi moldado pela urgência do momento político e artístico, por um certo humor afetivo e pelas exigências dos prazos dos jornais. Raramente incluem citações e referem-se não apenas a textos críticos e filosóficos brasileiros, mas também internacionais da época – de Marcuse a Fanon–, bem como importantes críticos que refletiram sobre a arte a partir do novo realismo e de movimentos emergentes da arte e tecnologia, como Pierre Restany e EAT (Experiments in Art and Technology). Para as notas aqui incluídas, dada a disponibilidade de recursos online, o foco é situar o leitor no que diz respeito aos contextos histórico, político, social, cultural e artístico brasileiro.

"O plano piloto da futura cidade lúdica", proposto por Frederico para repensar o museu, é um contraponto ao conhecido "plano piloto" do urbanista Lúcio Costa, proposto para a cidade de Brasília na época de sua construção. A moderna capital do país, inaugurada em 1960, foi construída em apenas três anos e meio sob o conceito de um "plano piloto" imaginado por Costa em colaboração com o arquiteto Oscar Niemeyer – uma divisão do tecido urbano entre edifícios cívicos monumentais e áreas residenciais moduladas em super quadras ao longo de um arco norte-sul freeway. O plano destaca a dramática ascensão e queda de projetos modernistas utópicos. A historiadora da arte Irene Small observou que, para a geração de artistas brasileiros do final dos anos 60, uma das questões centrais era "como recuperar e revisar as estruturas formais da utopia do modernismo após o fracasso político e social da modernização" (SMALL, Irene. Hélio Oiticica: Folding the Frame. Chicago: University of Chicago Press, 2016, 15). A falta de escala humana foi uma das principais críticas lançadas no plano piloto de Costa. Ao subverter a monumentalidade modernista, o "Plano piloto da futura cidade lúdica" de Morais tomou como base as práticas participativas em escala humana, articulando uma visão de museu de arte pós-moderna que tinha como foco central o ato criativo ao invés do objeto de arte. Vital para este novo museu foi uma presença ativa na cidade, integrada ao fluxo da vida cotidiana. [Nota revisada do texto Jessica Gogan, "Counterflows, Affinities and Fragments: Revisiting Histories as Possibilities" in: LIND, Maria e LARSEN, Lars orgs. The New Model: An Inquiry. Stockholm/Berlin: Tensta Konsthall/Sternberg Press, 2020)]

Em paralelo à redação deste texto, Morais estava atuando como coordenador de cursos do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. Logo após ter assumido tal função Morais, juntamente com os artistas Guilherme Vaz, Luiz Alphonsus e Cildo Meireles, co-fundou o grupo Unidade Experimental como uma espécie de laboratório de pesquisa para novas linguagens expressivas e situações voltadas à ativação dos sentidos e novas percepções. O crítico descreve a atuação da Unidade dentro do departamento de cursos do museu como uma espécie de "laboratório pedagógico" –como uma "extensão dos cursos do MAM", o grupo atuaria como um "laboratório de vanguarda" composto por "artistas, músicos, cientistas, críticos de arte, professores universitários e estudantes", relata Frederico. (Frederico Morais, "Um laboratório de vanguarda", Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1969). A Unidade não estava interessada em experimentos tecnológicos, mas sim naqueles da "mente" usando "apenas o corpo" para "abrir e aguçar a percepção." (Frederico Morais. Comunicação interna ao diretor Maurício Roberto, 5 de outubro de 1969, MAM Cursos: Gestão e coordenação, 1969, Acervo MAM Rio). Aproximadamente dez anos antes, o crítico Mário Pedrosa já estava apontando para um outro conceito de museu-laboratório em "Arte experimental e museus," Jornal do Brasil (12 de dezembro de 1960). Pedrosa anota: "Diferentemente do antigo museu, do museu tradicional que guarda, em suas salas, as obras-primas do passado, o de hoje é sobretudo, uma casa de experiências. É um paralaboratório. É dentro dele que se pode compreender o que se chama de arte experimental, de invenção." In ARANTES, Otília org. Mário Pedrosa: Política das artes. Textos escolhidos I. São Paulo: Edusp, 1995.

O conceito e prática do "artista como propositor" foram fundamentais para Lygia Clark e Hélio Oiticica. Como uma revolução da vanguarda brasileira, os dois propuseram deslocar a ênfase da arte como objeto para uma proposição de ação e experiência. Lygia escreve no seu texto "A propósito da magia do objeto" (1965) sobre a necessidade que "a obra não conte por ela mesma e que seja um simples trampolim para a liberdade do espectador-autor" que "tomará consciência através da proposição que lhe é oferecida pelo artista. Oiticica no seu texto-manifesto "Esquema geral da nova objetividade" (1967) propõe: "É essa a tecla fundamental do novo conceito de antiarte: não apenas martelar contra a arte do passado ou contra os conceitos antigos (como antes, ainda uma atitude baseada na transcendentalidade), mas criar novas condições experimentais, em que o artista assume o papel de 'proposicionista', ou 'empresário' ou mesmo 'educador'. O problema antigo de 'fazer uma nova arte' ou de derrubar culturas, já não se formula assim - a formulação certa seria a de se perguntar: quais as proposições, promoções e medidas a que se devem recorrer para criar uma condição ampla da participação popular nessas proposições abertas, no âmbito criador a que se elegeram esses artistas. Disso depende sua própria sobrevivência e a do povo nesse sentido." Lygia, em 1968, no seu texto-manifesto "Nós somos os propositores": "Nós somos os propositores: nós somos o molde, cabe a você soprar dentro dele o sentido da nossa existência. Nós somos os propositores: nossa proposição é o diálogo. Sós, não existimos. Estamos à sua mercê. Nós somos os propositores: enterramos a obra de arte como tal e chamamos você para que o pensamento viva através de sua ação. Nós somos os propositores: não lhe propomos nem o passado nem o futuro, mas o agora."

"Viver ao prazer" era fundamental para as proposições / instalações de Hélio Oiticica e, em 1969, depois da Whitechapel Experience – exposição e convivência no Whitechapel Gallery em Londres – o artista conceituou esse neologismo que soma o criar, o crer e o lazer. Ele escreve: "O Crelazer é o criar do lazer ou crer no lazer? - não sei, talvez os dois, talvez nenhum." Oiticica buscava os sentidos e vivências de uma arte aberta ao ócio criativo, imanência e à "salada de vida, o esfregar dos corpos". Fundamental à sua conceituação e realização de arte como participação-proposição, o crelazer é a "catalização das energias não-opressivas e a proposição do lazer ligado a elas." Hélio Oiticica. Crelazer. Revista de Cultura Vozes, 6 de agosto de 1970 in Guy Brett et al (orgs) Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Projeto Hélio Oiticica, 1992) 132-133, 136-138.

Um certo ócio criativo e subversivo vinculado à alegria e ao prazer e, assim, uma política de resistência contra a máquina capitalista colonial, permeia o Manifesto Antropofágico (1928), de Oswald de Andrade, e também o famoso herói/anti-herói Macunaíma do livro de Mário Andrade, lançado no mesmo ano (Macunaíama: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Oficinas Gráficas de Eugênio Cupolo, 1ª edição, 1928). Ambos tiveram uma grande influência na contracultura brasileira dos anos 60s e 70s.

A definição de arte como o "exercício experimental de liberdade" é do importante crítico brasileiro Mário Pedrosa (1900-1981). Em Mário Pedrosa: Primary Documents, Glória Ferreira anota que, ao analisar o dilema do artista em produzir obras em meio ao binário produtivo / improdutivo do trabalho, Pedrosa observa que só pode ser resolvido sendo um produtor independente, assim caracterizando o comportamento artístico como da liberdade (Glória Ferreira, "The Permanent Revolution of the Critic", 14-23, 20). Kaira M. Cabañas sugere que, paralelamente à saída de Ferreira Gullar dos círculos de vanguarda para endossar a estética realista, Pedrosa primeiro articulou a expressão, que precisa ser contextualizada tanto no surgimento da mídia de massa quanto na crescente repressão ao regime militar (Kaira M Cabañas, "A Strategic Universalist", 23-35, 28). Ambos apontam o ensaio "O bicho da seda na produção em massa", Correio da manhã, 14 de agosto de 1967, como o primeiro uso publicado da expressão. Pedrosa escreve: "Creio não ser exagero afirmar que o traço decisivo que caracteriza o comportamento artístico de agora é a liberdade, ou o sentimento de uma liberdade nova. Já faz bastante tempo, tentando analisar o fenômeno, defini a arte de nossos dias como o exercício experimental da liberdade. O desenvolvimento ulterior registrado nas pesquisas artísticas a partir do abstracionismo me parece ter confirmado aquela conceituação." Aqui, o uso do crítico de "já faz bastante tempo" sugere, no entanto, um uso da expressão bem antes de 1967, algo que requer mais pesquisa. O ditado também tem uma conexão famosa com o Corpo Obra (1970), de Antonio Manuel, onde o artista propôs o seu corpo como obra de arte, se despindo numa performance nua no MAM Rio na abertura do Salão 19, em que o júri tinha rejeitado sua proposta. Pedrosa anotava: "O que Antonio está fazendo é o exercício experimental da liberdade. Ele não quer dominar os outros. Ele está dizendo: é assim que é. " Texto transcrito por Lygia Pape em maio de 1970 de uma conversa com Mário Pedrosa, Antonio Manuel, Hugo Denizart e Alex Varella sobre a atuação de Manuel, em Mário Pedrosa. Encontros ed. César Oiticica Filho (Rio de Janeiro: Azougue, 2014) 92. [Nota revisada a partir de "Curating Publics in Brazil: Experiment, Construct, Care". Tese de doutorado de Jessica Gogan, Programa de Pós-graduação em História da Arte, Universidade de Pittsburgh, EUA, 2016.]

Enquanto mais de duas décadas separam "A crise da filosofia messiânica", do poeta e escritor modernista Oswald de Andrade (1890-1954), e seus famosos manifestos Pau Brasil (1924) e Manifesto Antropofágico (1928) podemos ver nele a continuação antropofágica de um potente projeto anticolonial. Como antropófagos, em atos simbólicos de devorar o outro, podemos digerir e reconstituir as influências exteriores a partir dos contextos e realidades latino-americanas. Tanto na época quanto nos anos 60 e ainda hoje artistas, poetas e intelectuais reuniam-se em torno da antropofagia como uma verdadeira escola de pensamento e prática. Tal como observa o estudioso Benedito Nunes, como símbolo do ato de devorar, empoderando-se do outro, a antropofagia funcionava simultaneamente como "metáfora, diagnóstico e terapia". Oswald continua nesse espírito utópico combativo diagnosticando a crise no pensamento ocidental no seu "Crise da filosofia messiânica" (1950), apresentado como tese para concurso da Cadeira de Filosofia da Faculdade de Filosofia. Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1950. O concurso não ocorreu mas o texto faz parte do cânon Oswaldiano apontando a ascensão e declínio da fase patriarcal no pensamento ocidental e resgatando o matriarcado e as tradições indígenas e seus modos próprios de fazer filosofia. Assim, antropofagiando podemos imaginar a síntese utópica de um "homem natural tecnizado" aproveitando dos avanços tecnológicos para seu próprio lazer. Quase 100 anos depois da primeira publicação dos manifestos e 70 anos após "A crise…" os textos continuam relevantes não somente como lente para examinar a arte e a cultura brasileiras da época mas também com um dispositivo gerador contemporâneo de contra-narrativas e pensamento anticolonial. Para o texto "La crise da filosofia messianica" (1950) antropofagias.com.br/2020/05/14/a-crise-da-filosofia-messianica/ e outros textos de Owsald de Andrade além de ensaios, entrevistas, vídeos. Ver: antropofagias.com.br/

Plano-piloto da futura cidade lúdica

Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 6 de junho, 1970

No IV Colóquio da Associação Brasileira de Museus de Arte, realizado em Belo Horizonte em novembro último, apresentei uma comunicação a que dei o título de “Plano-piloto da futura cidade lúdica”, propondo a criação do Museu de Arte Pós-Moderna. Este museu terá como preocupação central a atividade criadora e não a obra de arte em si. Neste museu não haverá acervo de quadros, mas apenas documentação relativa aos acontecimentos artísticos nele apresentados ou realizados fora. O que propunha era uma nova mentalidade museológica, tendo em vista que a arte moderna, com um século de existência, é hoje matéria histórica, arqueológica, arte “cemiterial”.

A comunicação foi longamente discutida pelos participantes do colóquio (diretores de museus), provocando novas comunicações e determinando mesmo o tema do próximo colóquio, que será realizado em Curitiba: “O museu e o público”. Entre 9 e 12 de dezembro do ano passado, em Bruxelas, foi realizado um colóquio do “Comitê Internacional para Museus de Arte Moderna” promovido pelo Icom e que teve como tema “O Museu de Arte Moderna e a sociedade contemporânea”. Algumas intervenções foram muito importantes para engrossar o debate em torno da necessidade de renovação da “teoria museológica”, tendo em vista a situação da arte atual. No momento, em Petrópolis, e até dia 8, está se realizando o V Congresso Nacional de Museus. O temário do congresso tem três tópicos principais: O Museu no Mundo Moderno, Museu e Universidade e Museu e Turismo. O ensaio que se segue, tem por base a comunicação feita para o colóquio de Belo Horizonte.

0. A TÍTULO DE INTRODUÇÃO — A arte moderna tem um século de existência. A primeira exposição impressionista foi realizada em 1874. Hoje vivemos o estágio do objeto (depois da figura, da abstração e da arte concreta). Há quem afirme que o século XX não existiu. Até mais ou menos 1950 vivemos no clima romântico do século XIX. Depois, saltamos diretamente no século XXI. A action painting foi a etapa final da pintura e a pop, provavelmente, o último “ismo” histórico. A arte moderna, portanto, é assunto para museus históricos e conservar, como observou Pierre Restany, em seu Le Livre Blanc, é atividade de arquivo. Como conservar detritos, ambientes, proposições, manifestações plurissensoriais, happenings e conceitos? Ou como diz Michel Ragon: “mesmo um quadro pintado na véspera, torna-se, pelo simples fato de estar pendurado na parede de um museu, tão estranho à vida cotidiana, quanto uma obra sumeriana” (em L’Artiste et Ia Sociète, cap. do livro Art et Contestation, págs. 23/40 — 1968). Já em 1959, o pintor mártir Yves Klein falava da “superação da problemática da arte” e propunha a criação de centros de sensibilidade, tal como agora, na vigência da arte conceitual, fala-se em “centros de informação”. Vê-se, pois, que estamos vivendo a “a arte pós-moderna” e que os centros de sensibilidade, de informação ou instituições como Experiments in Art Technology — EAT, são, na verdade, museus de arte pós-moderna. É deles que vou falar.

1. A ARTE E LIBERDADE — A arte é um “exercício experimental de liberdade”. O museu deve ser o campo onde se realiza este exercício ou onde esta experiência se dá. A experiência (—participação) é fundamentai à compreensão da obra de arte.

2. OFELIMIDADE — Necessidade vital do homem, a arte é, por isso mesmo, uma necessidade social. É mais que um fato coletivo — é parte integrante da sociedade. O instinto lúdico é vital no homem e sua manifestação e expansão, necessárias à própria vida social. Para e sociólogo Vilfredo Pareto “há uma adequação total da obra de arte aos fins da sociedade, sempre que a forma da pirâmide sociocultural está em correlação suficientemente forte com exercício estético". O museu, sendo um bem da coletividade, deve criar condições, efetivas para que o “desejo estético do corpo social” se realize plenamente, “não sendo canalizado para uma minoria bem instalada.” “A cada um — sugere Pareto — segundo seus desejos estéticos.”

3. LAZER E CRIAÇÃO — O Museu de Arte Pós-Moderna é parte importante da sociologia do Iazer. O tempo livre do homem é cada vez maior — a perspectiva do trabalho na sociedade atual é o descaso. De acordo com essa perspectiva e diferentemente do que se pensa, crescerá em importância a função social do artista. Meta do Museu de Arte Pós-Moderna: transformar o lazer em atividade criadora. Este objetivo só será alcançado com a mobilização de todos os sentidos do homem: no Museu de Arte Pós-Moderna não existirá o primado do visual.

Evidentemente, não cabe neste espaço discutir o conceito ou a problemática do lazer. A perspectiva utópica criada por Oswald de Andrade em “A crise da filosofia messiânica” leva a uma sociedade na qual os “fusos trabalharão sozinhos”, isto é, a máquina assumirá integralmente as responsabilidades econômicas e sociais do homem. Nesse momento estarão superados o homem natural e o homem técnico. O novo homem será uma síntese de ambos. O “homem natural tecnicizado” terá recuperado, então, o ócio inicial, necessário à atividade artística, e o desfrutará com toda dignidade. Dumazedier, um dos ideólogos do loisir fala do tempo livre como uma nova rage de vivre, gerando uma nova moral e mesmo um novo humanismo. Friedmann, mais realista, vê o "homem do após-trabalho” como vítima do mesmo esquema alienante da sociedade atual, vale dizer, aponta a existência de um lazer artificial, sublimatório e voltado para o consumismo. No mundo subdesenvolvido, por outro lado, a discussão em torno do lazer pode parecer acintosa, pois em nosso País, por exemplo, o lazer é, na maioria das vezes, a possibilidade de uma segunda jornada de trabalho, para aumentar os poucos recursos ganhos no primeiro emprego. A problemática do lazer, porém, queiramos ou não, vai interessar cada vez mais à arte e às suas instituições. Na perspectiva do Museu de Arte Pós-Moderna o lazer é visto como criação crelazer como quer Hélio Oiticica.

4. ARTE E CONSUMO — Abraham Moles já observou que a “função do museu mudou profundamente devido à sociologia da consumação da beleza”. A sociedade atual é essencialmente consumidora. A pressa e a rapidez dos visitantes dos museus eliminam a aura da obra de arte — sua originalidade. O cartão-postal documenta a ausência de vivências reais. “A Gioconda é uma ilusão dos clientes da Agência Cook”, diz Moles com humor, acrescentando que o museu de arte, por isso mesmo, “não tem mais razão de permanecer aberto aos consumidores simplesmente para jogo de empresas de turismo”, completa.

5. MUSEU INVISÍVEL — A cidade é a extensão natural do museu de arte. É na rua, onde o “meio formal” é mais ativo, que ocorrem as experiências fundamentais do homem. Ou o museu de arte leva à rua suas atividades “museológicas”, integrando-se ao cotidiano e fazendo da cidade (a rua, o aterro, a praça ou parque, os veículos de comunicação de massa) sua extensão natural, ou ele será um quisto. Mais que acervo, mais que prédio, o Museu de Arte Pós-Moderna é ação criadora — um propositor de situações artísticas que se multiplicam no espaço-tempo da cidade. Expor unicamente é tarefa estática e acadêmica. Atuando sem limites “geográficos” o objetivo do museu é tornar-se invisível. A problemática da arte na rua (happenings, earth-works, arte póvera, arte conceitual, etc.) não será matéria estranha ao Museu de Arte Pós-Moderna. Se a arte está cada vez mais do lado de fora, se a cidade é o museu, o Museu de Arte Pós-Moderna precisará atuar no espaço urbano (e rural se necessário) não só propondo atividades criadoras, como, e principalmente, modificando sua própria forma de atuação. As visitas guiadas as exposições e acervo, por exemplo, poderão ser transformadas em expedições na cidade, buscando-se com isso uma integração com o próprio fluir incessante da vida diária. As aulas e conferências poderão ser levadas igualmente à rua, bem como todas as demais “atividades complementares”. No processo de renovação da museologia, há uma inversão de valores: expor e conservar cedem lugar às atividades complementares, que passam a ser atividades primeiras e básicas. Falando sobre este assunto no colóquio de Bruxelas, P. Gaudibert, diretor do Centro ARC — Animation, Recherche et Confrontation — do Museu de Arte Moderna de Paris, observou: “Todas estas práticas não querem ser apenas um acréscimo quantitativo as atividade complementares de uma instituição tradicional: elas visam transformar os museus de arte moderna, palácios de consagração de artistas expostos, num centro vivo, num laboratório plástico experimental...”. "São, pois, a fonte de uma mutação qualitativa que repercute em todos os domínios: nas relações com as autoridades, com os produtores de arte, com o público. Elas criam um local autônomo de expressão coletiva e de transformações sociais intensas.”

No Museu de Arte Pós-Moderna a atividade de exposições poderá continuar existindo, sobretudo quando se tratar de organizar mostras retrospectivas e exposições de temas ou propostas. Se bem que esta atividade caiba melhor aos museus de arte moderna, hoje integrando o rol de museus históricos. O objetivo agora será a atividade criadora, a experiência, buscando-se aproximar a arte da experiência cotidiana, tal como, aliás, pensava Dewey. Em sua obra clássica, A arte como experiência, afirma que “esta tarefa consiste em restaurar a continuidade entre as formas refinadas e intensas da experiência, que são as obras de arte, e os acontecimentos, fatos e sofrimentos diários que são reconhecidos universalmente como constitutivos da experiência”. Mesmo porque “a experiência da criatura viva é capaz de ter qualidade estética", pondera.

6. NÃO BASTA MOSTRAR — A tv, as revistas, os livros e fascículos de arte (Gênios da Pintura, Arte nos Séculos, Museus do Mundo, etc.) os filmes de arte, os diapositivos e diafilmes substituíram o museu de arte com muito mais eficiência e repercussão na tarefa de mostrar (voltemos a Moles). Paralelamente, o artista pós-moderno abriu mão daquilo que até recentemente era considerado seu dom maior, a expressão, permitindo ao espectador, agora considerado cocriador da obra, que também se expresse. No Museu de Arte Pós-Moderna o espectador deve tornar-se um participante ativo da obra de arte e não se manter como mero espectador que olha passiva e distante os quadros em exposição, sem a experiência direta. A ênfase, portanto, deve ser dada às manifestações ambientais, plurissensoriais, cinéticas, conceituais e, também, no mesmo plano, aos ateliês, oficinas e especialmente às unidades ou laboratórios experimentais , substituindo-se o ver pelo fazer, a contemplação pela ação. Todas as atividades e manifestações devem ter, de preferência, um caráter interdisciplinar.

7. PEDE-SE TOCAR — Toda limitação à participação lúdica, sensorial, tátil, sonora ou olfativa, deve ser evitada. O Museu de Arte Pós-Moderna, como a arte atual, deve ser aberto. A própria arquitetura dos museus tem, sob este aspecto, importância fundamental, como, também, “o sistema de exposições”. O que se propõe é um museu-vida e não sarcófagos, um museu-liberdade. O museu, mesmo o moderno, não pode ser encarado como mera ampliação ou apresentação da coleção particular (sua origem histórica) nem pode ser encarado como uma galeria de arte melhor equipada. “Plano-piloto da futura cidade lúdica” , o Museu de Arte Pós-Moderna deve ser um laboratório de experiências, campo de provas visando à ampliação da capacidade perceptiva do homem, exercício continuado de liberdade. Falei de arquitetura e de sistema de exposições. Claro que o Museu de Arte Pós-Moderna pode prescindir de tudo isso, como, também, de acervo, limitando-se a programar atividades lúdicas no vasto salão da cidade. Para isso basta umas poucas salas, funcionando como escritório, ou, quem sabe, no futuro, um computador.

8. VANGUARDA — A desmaterialização que se verifica sobretudo na arte cinética (conceito estético) leva a uma desvalorização financeira (conceito econômico), como já foi observado. O gigantismo da pop e das primary structures (Oldemburg, Christo, Segal, Tony Smith, Robert Murray etc.) e a precariedade dos materiais e suportes (artes póvera e conceitual: “o artista hoje não luta mais com a matéria mas com a ideia” Moles) determinam a perda do valor econômico das obras, deixando esta de ser um Investimento (relação suporte/propriedade) para colecionadores e museus. Esta nova situação, colocando em questão o colecionismo privado e oficial e, sobretudo, o mercado de arte, cria condições para o museu assumir um papel verdadeiramente criador e cultural, impulsionando e coordenando a criação de vanguarda. Inverte-se, assim, a função original do museu: a de guardar, arquivar, manter um acervo de obras “clássicas”. No mesmo colóquio mencionado, o diretor da Tate Gallery, sir Norman Reid, constatou que “com respeito à situação ‘museu’, uma arte desta espécie (a arte de vanguarda, observo) é totalmente inadequada. Em compensação, a força que ela detém pode advir precisamente do fato dela ser tão inadequada."