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DERME, MÚSCULOS e ARTICULAÇÕES

Conversa aberta com: “O corpo é o motor da obra” de Frederico Morais

Mariela Richmond

Minha experiência

Estou com um nó na garganta do tamanho de meu punho, ou seja, talvez não caiba nem uma palavra a mais entre a minha boca e o estômago. Há algo que se fecha cada vez que eu não conecto o que inunda minha cabeça e não toca o coração, esses dois órgãos deveriam estar mais próximos um do outro, ARTICULADOS de forma direta, assim talvez a comunicação pudesse ser mais fluida internamente no nosso corpo, não teríamos que passar pela boca todos os nossos pensamentos. Mas, bem, não é assim, as comunicações do corpo passam pela garganta, através da tradução de uma voz, um som ou, por vezes, as comunicações passam diretamente para as mãos, para a DERME, derivando em palavras para que alguém as leia, para que elas possam perdurar.

O sábio sistema do corpo decide quando perdurar em suas transmissões e quando abandonar os pensamentos em uma série de ações seguidas que transpiram em experiências, em gestos. A DERME se alimenta de sensações que estão próximas do desejo, mobilizam os canais entre os neurônios e os canais MUSCULARES pulsantes do coração.

As palavras se derretem nas minhas mãos quando escrevo este texto a toda a velocidade entre as notas do celular e as ideias ARTICULADAS pelo presente, é como se a minha cabeça entendesse perfeitamente o que está dentro habitando meu corpo antes que ocorra essa tradução. Confio na minha incipiente pulsão de estenógrafa do corpo e não paro as sensações para traduzir em palavras.

O corpo é o motor da obra
Mariela Richmond, O corpo é o motor da obra, desenho, 2021

As ideias sobre O corpo é o motor da obra

Para pensar com/no corpo, pode-se partir de muitos lugares, e eu decido conversar com a DERME, os MÚSCULOS e as ARTICULAÇÕES. Basta saber traçar um início desse estudo, o que permite que o ponto de partida se relacione com o resto do corpo, transformando o início em um sistema, em uma cadeia infinita.

Em “O corpo é o motor da obra”, Frederico de Morais nos mostra uma primeira camada, que poderíamos denominar de DERME da sua escrita-pensamento, na qual desenvolve a arte corporal, como o uso do próprio corpo, fazendo referência às obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica na medida do que se vê, é a nostalgia do corpo voltando aos ritmos vitais do homem:

Em 1963, LYGIA CLARK propõe com a obra Caminhando pegar uma tira de papel, semelhante à fita de Mobius, que deve ser cortada com tesoura pelo "espectador", obra que visa simplesmente o caminhar da tesoura sobre o papel. Uma vez que o experimento acabasse, a obra acabava. O que permaneceria seria a experiência.

Em 1967, HELIO OTICICA apresentou em Tropicália, experiências visuais, táteis e sonoras com uma ludicidade que convida à reverberação dos sentidos que influenciam as sensibilidades cotidianas. São experiências “suprassensoriais” que transformam o corpo e o espaço de quem participa.

Ou ainda, é a ele que a obra leva. À descoberta do próprio corpo. O que é de suma importância em uma época em que a máquina e a tecnologia alienam o homem não só de seus sentidos, mas de seu próprio corpo. […] O homem coisifica-se. Se a roupa é uma segunda pele, a extensão do corpo (Marshall McLuhan) 1, é preciso arrancar a pele, buscar o sangue, as vísceras. Arte corporal, arte muscular. - Frederico Morais

O corpo é o motor da obra
Mariela Richmond, O corpo é o motor da obra, desenho, 2021

Frederico como articulador

Dada a declaração sobre ARTE MUSCULAR, tenho interesse em colocar em diálogo a possível relação entre a escrita de Frederico e as funções dos músculos dentro de um sistema, ele mesmo encarnou essas ideias, como o responsável pela contração, a fim de gerar todos os movimentos e realizar funções vitais que nos permitem permanecer ativos. Frederico poderia ser o arcabouço muscular de um sistema, no qual, junto com as diferentes camadas de DERME ou peles dos artistas que acompanham seus processos, conseguem se aglutinar até produzir um tecido capaz de formar ARTICULAÇÕES, não apenas como um todo, mas também capazes de ativar o verbo: articular.

Marie Bardet 2, em Pensar con la Danza, estabelece uma abordagem para ARTICULAÇÕES, em que ela se propõe a esquecer o estudo da teoria do corpo, como um corpus homogêneo, um tronco comum fechado, mas visualizar um caldo híbrido, um arquivo em processo, um compêndio de conhecimentos que muitas vezes estão em conflito uns com os outros, um "corpus", se quiserem, mas sempre fragmentário.

O articular", citando Marie Bardet novamente, ressoa problemas que se insurgem, como problemas transversais que não permitem categorizar estilos, mas sim oferecer ferramentas para seguir um diálogo entre aqueles que olham, fazem, pensam (conjunta ou respectivamente) sobre a arte. Não seria uma distância, mas sim uma ressonância com a pele, uma redistribuição entre o interior e o exterior do corpo, que determina certas relações pelo movimento constante.

Frederico, ao longo de seus textos, nos imerge em uma rede de ARTICULAÇÕES em disputa, em que todos os sentidos se mobilizam e, por meio de iniciativas dispersas, surge, muitas vezes, a criação. Como aponta o próprio autor: Impossível deixar de ser contraditório nesta época de perspectivas cruzadas, assim, o poder de reler os textos de Frederico no nosso contexto atual seria permitir-nos fabricar novas ARTICULAÇÕES, que as suas palavras funcionem como camadas da pele, como músculos que fortalecem um "modo de fazer", um sistema complexo, onde as peças, uma a uma, como uma cadeia de experiências, – que voltadas para o dissenso –, poderiam se tornar potenciadores de criação.

O corpo é o motor da obra
Mariela Richmond, O corpo é o motor da obra, desenho, 2021

  1. Em 1964, Marshall McLuhan disse em Compreender os Meios de Comunicação: “Ao colocar o nosso corpo físico dentro do sistema nervoso prolongado, mediante os meios elétricos, nós deflagramos uma dinâmica pela qual todas as tecnologias anteriores, que são meras extensões das do nosso corpo, incluindo as cidades, poderão se traduzir em sistemas de informação” Livre tradução do espanhol in: Marshal McLuhan. Comprender los médios de comunicacion (Understanding Media. The Extension of Man por MIT press, 1964) Tradução Patrick Ducher. Buenos Aires: Paidos, 1996, 78

  2. Marie Bardet é doutora em Filosofia, cruza a sua prática com a dança, explorando especialmente a improvisação e as práticas somáticas. Marie Bardet. Del punto de vista a um acercamiento teórico-práctico: lo articular in Pensar con La danza orgs. Carlos Eduardo Sanabria et al. Bogotá: Ministério de Cultura de Colômbia/Universidad de Bogotá. Jorge Tadeo Lozano, 2014, 41-50. www.researchgate.net/publication/268078757_Pensar_con_la_danza